Descobri que falo 'brasileiro'. Por Juliana Doretto
Na 'Visita de Domingo' de hoje, Juliana relata deliciosas aventuras linguísticas em terras lusas
Dizem as boas línguas que brasileiros e portugueses falamos a mesma língua. Ah, caro leitor, essa frase está tão longe da realidade quanto o Brasil está distante de Portugal.
Sim, conversamos e nos entendemos; escrevemos e nos entendemos – uns 90%, é verdade, mas há compreensão. Só que não se trata da mesma linguagem. Quer ver? Aqui, em Portugal, eles dizem que falamos “brasileiro”. No Brasil, dizemos que falamos português e que os lusos manejam o “português de Portugal”. Entre essas duas línguas há um pote de gostosuras -- mal-entendidos, usos curiosos, duplos significados --, tão deliciosas quanto a moqueca nossa e o bacalhau deles.
Outro dia, compro uma revista, abro, e está lá, em letras garrafais: “Roupas para quem tem rabo pequeno”. Na página seguinte, vêm os modelitos para quem tem “rabo grande”. E, na TV, passa toda hora a propaganda da fralda que deixa o “rabinho do bebê” sequinho... Uma amiga minha, outro dia, estava com o celular no silencioso, no bolso, quando diz: “Ai, estou com o rabo a tremer!”. Aí, no Carnaval, ligo na RTP, o canal público daqui, e vem a reportagem: “Em Cabanas de Viriato, reina a dança dos cus”. Com uma senhora de 70 anos “a falar”: “Já, já dancei... já bati bem com o cu”. É cada susto que eu levo...
Essa minha amiga, aliás, é mestre em me fazer ter sobressaltos. Já me fez quase ligar para o serviço de emergência quando me contou que sua “botija” havia estourado durante a noite, e a cama estava molhada. Como saberia eu que ela falava de uma bolsa de água quente que lhe aquecia os pés no frio lisboeta? Também me contou que teve de chamar ajuda para enfrentar uma “osga”. Imaginando algo feroz e assustador, apoiei seu ato de pouca bravura, até saber que o bicho em questão era uma inofensiva lagartixa.
Descobri ainda que as pessoas aqui metem o carro na vaga, metem o livro na mala, metem em todo o lugar, e fica tudo bem. Sei agora que gosto de “mocho” (coruja); que tenho um “chapéu de chuva” (guarda-chuva); que na serra da Estrela há “nevão” (nevasca); que travesseiro é “almofada”, e almofada é almofada mesmo; que “putos” e “pitas” são algo como “miúdos” ou “miúdas”, ou garotos e garotas. Inclusivamente – muito usado por aqui –, pode-se chamar uma menina de “rapariga” sem que ela se ofenda com o termo de uso antigo.
Aprendi que não apenas existe mas é extremamente popular o termo “mais pequeno”; que “engraçado” é interessante, e quem é engraçado na verdade “tem piada”; que a plataforma do metrô é o “cais do metro”, que fresco é “gelado”; que “gelado” é sorvete e que ninguém chupa gelado por aqui, porque é feio. Come-se. Come-se um gelado de “marabunta”, por exemplo. Não pense bobagem: é de flocos.
Mas nada é tão difícil para mim quanto "o tratamento Pelé”, como o chamo. Assim como o Edson trata a si mesmo pela terceira pessoa, é extremamente comum aqui que as pessoas me chamem de “Juliana” quando estão falando diretamente comigo. É um tratamento intermediário, nem formal nem informal. “E a Juliana vai comer o quê?”, perguntaram-me. A primeira vez, é claro, olhei para trás, procurando uma Juliana. Mas havia somente eu na sala. Isso vem também por escrito. Em um e-mail enviado para mim, é comum ler a frase: “Como a Juliana me disse na última mensagem...”
Tem toda a parte dos xingamentos, palavrões e outros que tais, mas isso, por força da minha polidez, eu guardo para os meus amigos “tugas”, numa mesa de uma “tasca” qualquer. Ou um restaurante pequeno e barato. Enquanto “tomamos um copo” e para quem eu distribuo um “grande beijinho”, porque é assim que faz com aqueles por quem se tem estima. Mas, para dizer que não avisei, sugiro apenas que não comprem um broche, mas sim uma “pregadeira”. Soará muito melhor, vá por mim...
No comments:
Post a Comment