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Tuesday, April 1, 2014

Rebelde sem calça

Criticada por fazer pornô para pagar escola, jovem compra briga e vira musa de trabalhadoras do 

Até o último sábado, o nome Belle Knox era tão familiar à maioria dos americanos quanto o do Soldado Desconhecido. Ela tinha mais buscas no Google que Justin Biebere o papa Francisco juntos. E, ao contrário das sisters do BBB, em geral célebres apenas por seus 15 minutos de fama, tudo indica que Belle veio para ficar. Assim como sua ex-identidade secreta: Miriam Weeks, que, aos 18 anos entrou em direito na Duke, uma das melhores universidades dos EUA, e cuja família não tinha dinheiro para pagar seus estudos. Até que a ficha caiu para a caloura: pôs no Google "como ser uma atriz pornô" e enviou suas fotos. Choveram convites e num piscar de olhos ela estava literalmente deitando e rolando. Porém, ai, porém...
Belle pensava que ia se manter anônima, como Clark Kent que põe o óculos e ninguém o reconhece? "Fui ingênua. Vivemos numa sociedade em que denunciar pessoas é uma atitude aceitável." Não deu outra: um colega reconheceu-a num vídeo e botou a boca no trombone. A reação foi sísmica. Hostilizaram a jovem até com ameaças de morte. Houve quem rosnasse que merecia ser estuprada. Que deveria ser expulsa da faculdade. Fez queixa à polícia e ouviu evasivas desdenhosas.
O anátema não ficou por aí. Como o pai de Miriam é um clínico de interior, o tabloide New York Post titulou: "Médico patriota volta do Afeganistão e descobre que sua princesa virou periguete pornô". Foi então que a moça comprou a briga: "Me chamo Miriam Weeks, meu nome de guerra é Belle Knox e uso minha Letra Escarlate com orgulho." Era uma alusão ao clássico romance de Nathaniel Hawthorne (traduzido por Fernando Pessoa), que descreve uma comunidade puritana de Boston no século 17 na qual a jovem Hester Pryne é condenada a levar a letra "A" de adúltera bordada em seu peito.
Já "Belle" é uma homenagem à heroína do desenho A Bela e a Fera, que prefere os livros aos marmanjos sarados da aldeia. E cabia uma referência à Bela da Tarde, a obra-prima de Buñuel em que a personagem de Catherine Deneuve, uma burguesa que de dia bate ponto num bordel, adota o nome de Belle de Jour. E ronrona: "Antes à tarde que nunca".
O episódio desnudou as perversões da educação nos EUA. Das dez melhores universidades do mundo, oito são americanas; entre as cem melhores, quase a metade (a USP está em 85º lugar). Na Duke, apenas 12% dos candidatos conseguem uma vaga. Um dos professores é o brasileiro Miguel Nicolelis - para a revista Science, um dos 20 cientistas mais importantes do mundo. Só que a Duke também é proibitiva: custa US$ 60 mil anuais (cerca de R$ 135 mil). De 1978 a 2013, o custo de uma boa universidade americana aumentou 1.120% - o dobro da inflação na saúde e o quádruplo do índice de preços ao consumidor.
Miriam até cogitou ser garçonete do McDonald’s. Mas fez as contas e viu que no máximo daria para pagar um curso de tricô por correspondência.
Nos EUA, com a ética protestante descrita por Max Weber, os pais de classe média encorajam os filhos adolescentes a ralar como babás ou entregadores de jornal. O caldo entornou porque Miriam não se mostrou contrita e apologética. Mais articulada que um caminhão de fefeleches, proclamou que não era uma vestal e que ao costurar para fora juntou a fome com a vontade de comer. "Amo o sexo, com eles ou com elas, e sempre amei filmes pornô." Glup!
Na TV, Belle chutou o pau da barraca com a veemência de um beque de fazenda. No The View, talk show há 17 anos no ar, a caloura enfrentou a ferocidade virtuosa de Barbara Walters, decana das telejornalistas, que espumou: "Foi com seus pais que viu filmes pornôs?". Dr. Drew, um médico midiático, surtou: "Se fosse seu pai, a obrigava a beber arsênico!".
O caso realçou a indefectível hipocrisia social quando se fala de sexo e/ou pornografia. Como reza um ditado da indústria pornográfica, "os americanos se masturbam com a mão direita e apontam um dedo ultrajado com a esquerda". Consumir pornografia é considerado uma parte saudável da sexualidade adulta - mas os atores pornôs são vilificados, ainda que o ofício seja completamente legal. Como Miriam alfineta: "Se você curte nosso trabalho, por que quer arruinar nossas vidas?".
Outra questão são os efeitos da ubiquidade da internet - que uma moça de 18 anos como Miriam, que vê pornôs desde os 12, absorveu desde a mamadeira. Hoje, a idade média da primeira exposição à pornografia não solicitada é de 11 anos. 35% dos downloads da web são pornográficos (1 bilhão por mês), e 25% das buscas no Google. Como observou Millôr Fernandes, "é estarrecedor o interesse que o sexo ainda desperta, depois de tantos milhares de anos de uso".
Belle Knox segue acumulando a Duke e os pornôs. Ocupa a segunda posição no ranking de atrizes do Pornhub, o terceiro mais popular site do gênero (14,7 bilhões de visitas em 2013). Já inúmeros outros jovens americanos só frequentariam faculdades se assistir a vídeos pornôs fosse uma atividade remunerada.
Miriam decidiu: vai se especializar em direito das mulheres. "Recebi milhares de e-mails de trabalhadoras e ex-trabalhadoras do sexo, me agradecendo por lhes dar uma voz." E, para chilique das âncoras politicamente imaculadas do The View, se define como uma feminista: "Eu sou eu, e não uma pesquisa do Google. Sou uma moça americana. Sou uma estudante da Duke. E, nos filmes, sou uma vadia que quer ser castigada. Quem consegue adivinhar qual dessas é uma personagem?"
A resposta talvez seja: todas e nenhuma. Afinal, Miriam Weeks provou que, mais do que Belle Knox, ela é a bela e a fera juntas.
Criticada por fazer pornô para pagar escola, jovem compra briga e vira musa de trabalhadoras do sexo (© Getty Images)

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