O país da Copa está em greve
Um ano depois das manifestações do passe livre, país chega à Copa do Mundo com pelo menos 40 ameaças de paralisação, concentradas principalmente no serviço público. Sindicatos perderam a capacidade de controlar mobilizações
Passado um ano do início dos protestos de rua no Brasil, as grandes passeatas perderam força. O nível de tensão nas ruas, no entanto, mantém-se elevado, impulsionado por manifestações de categorias ou segmentos de trabalhadores que ameaçam cruzar os braços. O Brasil chega à Copa do Mundo com pelo menos 40 movimentos grevistas, concentrados no serviço público e em setores essenciais, como transporte e educação. Levantamento feito pelo site de VEJA mostra que catorze categorias estão mobilizadas em 23 cidades. A visibilidade internacional do momento e a coincidência com datas-bases de trabalhadores criaram um problema a mais para prefeituras e governos estaduais e federal, e não há sinal de que, encerrado o mundial, a situação vá se acalmar.
As reivindicações de agora têm um componente a mais de dificuldade para as negociações: nem sempre os sindicatos constituídos lideram as paralisações, o que torna praticamente impossível alcançar o consenso e respeitar acordos previamente estabelecidos. "O modelo sindical está em crise. O que vemos hoje é que a maioria dos sindicatos não consegue se comunicar com as categorias que representam. Fica claro que as campanhas salariais não são feitas com amplo conhecimento da base", afirma o pesquisador Walter Barelli, ex-ministro do Trabalho e ex-diretor-técnico do Dieese.
Com os sindicatos fora das greves e grupos dissidentes no comando das paralisações, o resultado é o que se viu, por exemplo, em São Paulo e no Rio, onde motoristas de ônibus e cobradores discordaram dos acordos firmados pelos sindicatos e deixaram a população a pé. Na capital fluminense, os ônibus pararam nos dias 8, 13 e 14 – a última convocação, esta semana, não conseguiu mobilizar a categoria. A capital paulista foi o centro de uma nova onda de paralisações, há duas semanas, quando uma ala da categoria decretou greve à revelia do sindicato, que havia estabelecido o acordo anual de reajuste salarial com as empresas no dia anterior. O resultado do racha sindical foi dois dias de absoluto caos no trânsito da maior cidade do país.
Leia também:
O sindicalismo que empareda o governo do PT
O que os policiais têm a ensinar aos professores
O sindicalismo que empareda o governo do PT
O que os policiais têm a ensinar aos professores
Motoristas e cobradores de ônibus de cidades da Grande São Paulo seguiram o mesmo roteiro: usaram da violência para reivindicar aumento salarial. Em Osasco, dois cobradores foram presos acusados de ameaçar motorista e passageiros que tentavam embarcar em um coletivo. Depois de São Paulo e Rio, o movimento se repetiu em outras três capitais: São Luís (MA), Salvador (BA) e Florianópolis (SC), que ficaram com 100% da frota nas garagens.
Rodoviários costumam ensaiar paralisações nesta época do ano, quando tradicionalmente patrões e empregados se reúnem para repactuar os termos dos contratos coletivos de trabalho. “Greve em negociação coletiva é fatal. O trabalho da categoria afeta o funcionamento das cidades, por isso os trabalhadores lançam mão dessa tática para conseguir aumentos”, avalia Otávio Cunha, presidente executivo da Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos.
O que foge ao padrão nesses casos recentes é a deflagração da greve após acordo estabelecido entre patrões e trabalhadores. “É a primeira vez que presencio isso. Temos visto grupos dissidentes que fazem a mobilização e não assumem a responsabilidade”, diz Luiz Antônio Festino, diretor da Nova Central Sindical dos Trabalhadores (NCST), que detém a filiação de 188 dos 330 sindicatos de rodoviários ativos no país. De acordo com Festino, cerca de 200 paralisações da categoria, incluindo motoristas do transporte de cargas, foram registradas neste ano.
Na capital baiana, a greve durou dois dias e chegou ao fim quando o sindicato dos trabalhadores aceitou a proposta das empresas de aumento de 9% mais elevação do vale-refeição para 14 reais e redução da jornada para sete horas. Em Florianópolis, a paralisação durou apenas 24 horas, mas as negociações continuam. Está marcada assembleia para o dia 8 de junho quando será decidido se a categoria irá parar por tempo indeterminado. Os trabalhadores esperam que o movimento evite a demissão de 350 cobradores prevista devido à automação das catracas.
A cidade de Fortaleza (CE) corre o risco de ser afetada pela paralisação de motoristas e cobradores na próxima semana. O sindicato da categoria se reúne neste sábado. Nesta quinta-feira, um ato interrompeu a circulação de ônibus nos sete terminais de Fortaleza para protestar contra a morte de um motorista morto a facadas em uma tentativa de assalto nesta terça-feira enquanto trabalhava. A categoria pede mais segurança. Na última quinta-feira, São Luís (MA) completou uma semana de paralisação dos motoristas, que exigem aumento salarial de 16%. A greve afeta 750.000 passageiros na capital maranhense.
Uma decisão do Senado, a ser referendada em plenária prevista para a próxima terça-feira, pode acirrar ainda mais os ânimos dos motoristas de ônibus e expandir os movimentos de greve para outras capitais. Trata-se da votação de alterações da lei 12.619/02, conhecida como a lei dos motoristas. Segundo central sindical que representa a categoria, as mudanças, já aprovadas pela Câmara dos Deputados, aumentam a jornada de trabalho de oito para doze horas e anulam as conquistas obtidas com a promulgação da lei em 2012, criada justamente para regulamentar a salubridade do trabalho dos motoristas de carga e rodoviários. “Essa votação coincidiu com a campanha salarial e planejamos uma mobilização maior para a próxima semana”, diz Festino.
No comments:
Post a Comment